quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Assentamento Moacir Lucena resiste e luta pela agricultura familiar na Chapada do Apodi


 
 Seu Zé de Holanda mora no Assentamento Moacir de Lucena, localizado em uma das rotas visitadas pela caravana. | Foto: Jackson Angell
A luta pela terra faz parte da vida de diversas famílias de agricultores da Chapada do Apodi, localizada nos estados do Rio Grande do Norte e Ceará. Uma delas é de José de Holanda Morais, que morava na cidade de Apodi, no RN, com os pais e irmãos. Mas, com a necessidade de conseguir um emprego e não tendo oportunidade na cidade, decidiu, no ano de 1983, junto com o irmão João de Holanda, trabalhar numa fazenda na Chapada do Apodi, que fica na divisa dos estados do Rio Grande do Norte e do Ceará.

O agricultor trabalhou por 12 anos na Fazenda Boca da Mata, como meeiro, ou seja, de todo o milho, feijão e algodão que produzia, metade era para ele e a outra metade para o dono da fazenda. No ano de 1996, ele e outras famílias começaram a luta pela terra, inspirados numa série de ocupações que estavam acontecendo na região. A conquista não foi fácil, mas sim marcada por conflitos e tensões. “A gente percebeu que, se quiséssemos ter nossa terra, teríamos que lutar por ela”, pontua Zé de Holanda. Dois anos depois, conquistaram a posse da terra e assim nasceu o Assentamento Moacir Lucena. Muita coisa mudou na vida dos assentados, inclusive, a forma de fazer agricultura.  Eles começaram a produzir alimentos de forma agroecológica, sem o uso de agrotóxicos.

A experiência de seu Zé de Holanda e das outras diversas famílias do Assentamento Moacir Lucena fazem parte da Rota Romana Barros, que será visitada durante a Caravana Agroecológica e Cultural da Chapada do Apodi, que começa nesta quarta-feira, 23, e segue até sábado, 26. Além dela, serão realizadas mais quatro rotas: Padre Pedro, Ronaldo Valença, Zé Maria de Tomé e Margarida Alves, com visitas a experiências da agricultura familiar, que produzem alimentos de forma diversificada na Chapada do Apodi, mas que estão ameaçadas por um projeto de fruticultura irrigada do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), chamado pela população local de “Projeto da Morte”.

O projeto prevê que 13 mil hectares de terra sejam desapropriados para que cinco empresas do agronegócio se instalem na região. Isso significa que cerca de 800 famílias ficarão sem terra, ameaçando as experiências agroecológicas que movimentam a economia local e que contribuem para a garantia da segurança alimentar e nutricional de produtores e consumidores. “Todo esse projeto de sustentabilidade que temos aqui está ameaçado”, alerta Zé de Holanda.

Já na Rota Zé Maria, os participantes terão a oportunidade de visitar experiências no Ceará, estado onde o projeto de irrigação do DNOCS já foi implantado e diversas famílias sofrem com o alto uso de agrotóxicos nas lavouras e com péssimas condições de trabalho. Por isso, a população do Rio Grande do Norte, onde o projeto está no início da implantação, está preocupada. Seu Zé de Holanda diz que eles têm diversos questionamentos. “É impossível sobreviver com a nuvem de veneno que pode se instalar aqui. Além disso, todas essas famílias vão sair daqui para morar na zona urbana e fazer o quê, se o que sabemos é lidar e trabalhar com a terra?, questiona. “O governo tá se contrapondo a um sistema que dá certo e que produz vida que é o da agricultura que fazemos aqui. E o projeto do governo só vai contaminar nossas águas e desmatar nossas terras”, finaliza.

No Assentamento Moacir Lucena existe uma forte produção de polpa de frutas, caprinocultura, cajucultura, apicultura, manejo da Caatinga, produção de algodão agroecológico, entre outas diversas atividades, que estão ameaçadas com a perspectiva de ampliação do agronegócio na região. O mais preocupante é que muitas famílias já tiveram que deixar suas terras para instalação do projeto, que prevê basicamente o cultivo de cacau e uva para exportação.

A contradição questionada por seu Zé de Holanda é de fato preocupante. No último dia 17, o governo federal lançou o Brasil Agroecológico, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), construído com a participação da sociedade civil. Nele está previsto o incentivo à produção orgânica e agroecológica, inclusive em áreas de assentamentos da reforma agrária. No entanto, o que vemos na Chapada do Apodi é a intenção de acabar com uma forte produção agroecológica.

Para Cristina Nascimento, coordenadora da Articulação Semiárido Brasileiro pelo estado do Ceará, a desapropriação das famílias da Chapada do Apodi é uma postura do governo de reafirmar o agronegócio. No entanto, ela pontua a importância do Planapo. “Ao mesmo tempo em que damos um passo com a agroecologia, vemos o avanço do agronegócio. Mas precisamos reafirmar o Planapo, ele é uma política importante para que o debate da agroecologia possa ser feito diretamente com a sociedade e para que possamos incentivá-la como modo de produção e de vida ”, disse.

Para seu Zé de Holanda, a Caravana vem explicitar essa luta. “Essa Caravana reforça nossa luta e é uma grande parceria que a gente tem. Juntos estamos na luta para que o governo reveja esse projeto e que se vier, que venha um projeto que incentive a agroecologia para que quem foi desapropriado volte e possa usufruir dos bens que produz e da terra que tem”, concluiu o assentado.

Caravana - A Caravana Agroecológica e Cultural da Chapada do Apodi pretende reunir cerca de 250 pessoas e é uma das atividades preparatórias do III Encontro Nacional de Agroecologia, previsto para acontecer na Bahia, em 2014. E é uma realização da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação Semiárido Brasileiro (ASA),  Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Central Única dos Trabalhadores (CUT), entre outras redes e organizações do Ceará e Rio Grande do Norte.

As atividades da Caravana do dia 23 ao dia 26/10 podem ser acompanhadas através do blog e da página no Facebook:

http://caravanaagroecologicaapodi.wordpress.com/

https://www.facebook.com/caravanaagroecologicaapodi

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