quinta-feira, 24 de abril de 2014

Agricultores e agricultoras paraibanas defendem as cisternas de placas

Coletivos regionais estão debatendo as diferenças entre cisternas de placas e cisternas de plástico
Daniel Lamir* e Simone Benevides**

Agricultores e agricultoras afirmam a mudança de vida a partir da conquista da cisterna de placa | Foto: Ana Lira
A função instrumental de captação e armazenamento de água é incompleta para a convivência com o Semiárido. Ao contrário do secular imaginário social ou do atual sensacionalismo com as estiagens, o acesso à água não é o único fator determinante para o bem-estar coletivo nas áreas rurais da região. A superação dos paradigmas sociais e o desenvolvimento sustentável no Semiárido rural caminham com a efetividade de todas as formas de cidadania.

Além de implementar as conhecidas cisternas de placas de 16 mil litros, o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) surgiu, em 2003, para por em prática o conceito de convivência com o Semiárido. Além de construir uma estrutura hídrica descentralizada, o P1MC desencadeou o desenvolvimento sustentável, o fortalecimento da sociedade civil, a mobilização e o envolvimento das famílias como proposta processual de educação.
 

O agricultor Edvam defende as cisternas de placas no Semiárido | Foto: Simone Benevides
“O valor dessas cisternas de placas não tem dimensão. Desde 2003, quando começamos a conhecer esta política, a vida das pessoas no Semiárido mudou. Antigamente nós tínhamos que pegar água a quilômetros de distância das nossas casas, uma água que não era de qualidade. Sem falar que não tínhamos nenhuma autonomia, pois os açudes estavam localizados nas terras dos grandes proprietários, e hoje, mesmo nesses três anos de estiagem, não ficamos sem água de beber um só dia”, relata o agricultor Edvam Farias de Araújo, que mora na comunidade Poço das Pedras, no município paraibano de São João do Cariri.

Além de Edvam, milhares de agricultores e agricultoras da Paraíba estão realizando campanhas, mobilizações e assembleias para manifestar e incidir nas políticas públicas que garantam ainda mais água e cidadania no Semiárido. Esses homens e mulheres estão organizados e articulados para dialogar sobre os benefícios das cisternas de placas. Por outro lado, há uma preocupação com a implementação de outra tecnologia nas comunidades, a conhecida cisterna de plástico (polietileno/PVC), trazida pelo Ministério da Integração Nacional, por meio do Departamento de Obras contra as Secas.

Dos treze municípios que fazem parte do Polo Sindical das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, apenas dois contam com a implementação das cisternas plástico: Areial e Lagoa de Roça. O fato desencadeou a realização de assembleias que estão dialogando sobre os aspectos de cada uma das cisternas com as famílias agricultoras e os gestores públicos locais. O Polo Sindical hoje representa mais de cinco mil famílias agricultoras.
“Em cada município realizamos sessões especiais nas câmaras [de vereadores] e assembleias nos sindicatos, além de colocar a questão nos conselhos municipais, pautando o mal que as cisternas de plástico fazem. Até então, a partir da nossa mobilização, não chegaram mais cisternas de plásticos além dessas duas [cidades] que já receberam”, ressalta Gizelda Bezerra, da direção do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Remígio, organização que faz parte do Polo.
   
Já na região do Cariri, Curimataú e Seridó paraibano, onze municípios estão organizados através do Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar. O Coletivo representa aproximadamente quatro mil famílias que também estão na luta contra as cisternas de PVC e exigindo autonomia no campo, através da agroecologia e de convivência com o Semiárido.

Rosemari mora em Pedra Lavrada e propõe o diálogo sobre o valor das cisternas de placas | Foto: Simone Benevides
“A gente é contra [a cisterna de PVC] porque ela vem contra tudo o que a gente vem construindo. É uma cisterna forasteira, que não vai se adaptar à nossa região, e em muitas regiões que vimos ela causou problemas. É uma cisterna que não vai trazer a autonomia das famílias”, alega Rosemari Silva, da comunidade de Canoa de Dentro, em Pedra Lavrada (PB). O município faz parte da região coberta pelo Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar, do Cariri, Curimataú e Seridó.

A agricultora Betânia Alves mora na mesma comunidade de Rosemari e concorda com opinião da colega. Ela alega que em uma viagem de intercâmbio constatou comunidades de outros municípios com cisternas de plástico deformadas: “não é de boa qualidade, a gente vê ela amassada por causa do sol”.

Por outro lado, a coordenadora executiva da ASA-PB e da Unidade Gestora de Trabalho (UGT) Patac, Glória Batista, destaca que as cisternas de placas geram dois tipos de autonomia para as famílias agricultoras, uma tecnológica – por ser uma implementação que nasce do próprio conhecimento camponês – e outra social – por ser uma forma contrária ao assistencialismo.
  
 “No Semiárido, água é poder. As famílias que eram obrigadas a andar quilômetros em busca do líquido, hoje dispõem dele na porta de casa. É isso que a cisterna de placas faz, empodera as famílias”, afirma Glória Batista. Ela ainda ressalta o aspecto da qualidade da água das cisternas de placas, comprovada por pesquisas: “Em 2010, um estudo da Fiocruz mostrou que a qualidade da água das cisternas de placas reduziu o número de doenças e os índices de mortalidade infantil no meio rural”, completa.

A geração de renda e o desenvolvimento local também são levados em conta na decisão das famílias agricultoras pelas cisternas de placas. As atividades dos programas Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2) incluem a capacitação de pedreiros e pedreiras, além da prestação de serviços e aquisição de insumos no comércio local.

“Todo o material de construção é comprado no município, inclusive com diálogo e negociação com os fornecedores locais. A formação e a capacitação das famílias para o manuseio da água e manutenção dos depósitos também é um processo muito importante que é possibilitado através desses recursos. Além de serem os próprios agricultores e agricultoras que se tornam os pedreiros e as pedreiras, através dessas capacitações. Ou seja, até a mão de obra é realizada pela própria comunidade”, afirma Edvam Araújo, que é também coordenador do Coletivo do Cariri, Curimatú e Seridó.

Ele ainda reforça o aspecto da qualidade da água das cisternas de placas e a autonomia para realização de possíveis reparos. “A qualidade da água da cisterna de placas é muito confiável. Para a família manter a água em condições de consumo, basta seguir as orientações das capacitações em torno dos cuidados com a higiene e a estrutura física do reservatório, coisa que com a cisterna de PVC não é possível realizar. Estas, quando apresentam alguma deformidade, não dá para consertar”, compara Edvam. 
Betânia Alves faz parte do Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar do Cariri, Curimataú e Seridó e lembra que os custos para implementação das cisternas de plástico são o dobro da cisterna de placa, porém, sem o mesmo retorno para o mercado local: “É um absurdo o valor da cisterna de plástico. E a família não tem nenhuma capacitação, acompanhamento, formação”.
   

Celebração dos 21 anos da ASA-PB percorreu ruas de Campina Grande | Foto: Simone Benevides
Mobilização - Para manifestar a preferência pelas cisternas de placas e apresentar os indicadores de vantagens diante das cisternas de plástico, agricultores e agricultoras de todas as regiões da Paraíba participaram de uma mobilização, em Campina Grande (PB), no último dia 28 de março. A insatisfação foi demonstrada durante a celebração dos 21 anos da ASA-PB. O ato contou com uma caminhada pelas ruas centrais da cidade e um ato público na Praça da Bandeira, onde lideranças representantes das organizações se pronunciaram contra as Cisternas de PVC.
A conclusão da celebração contou com um “enterro simbólico” de uma cisterna de PVC. Homens e mulheres seguiram uma marcha fúnebre carregando uma réplica da tecnologia de plástico, como forma de representar o sentimento da mobilização. 
Atividades apresentaram problemas das cisternas de placas | Foto: Simone Benevides


“Nós fizemos o enterro simbólico como forma de reforçar a nossa posição negativa a tudo aquilo que está contra a convivência com o Semiárido e a agricultura familiar. Colocamos os símbolos do agronegócio dentro da cisterna de polietileno e tiramos em cortejo do nosso meio, para mostrar à sociedade nossa indignação”, declarou a coordenadora dos projetos institucionais do Coletivo Asa Cariri Oriental (Casaco) e também coordenadora executiva da Asa Paraíba (ASA-PB), Maria Célia Araújo.

*Daniel Lamir faz parte da assessoria de comunicação da ASA (ASACOM)
** Simone Benevides é comunicadora popular da ASA
Esta matéria contou com a colaboração de Áurea Olímpia, assessora de comunicação da AS-PTA.

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