sexta-feira, 2 de maio de 2014

Animais e plantas da Caatinga também têm suas estratégias de convivência com o Semiárido

Resistência da Caatinga também é uma característica do povo da região onde o bioma está presente. Práticas agroecológicas são uma forte estratégia de preservação do bioma.
Catarina de Angola - Asacom
Recife - PE

Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro. | Foto: Romário Henrique
No dia 28 de abril foi comemorado o dia Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, presente na região semiárida, e corresponde a 12% do território nacional. Caatinga vem do tupi-guarani e significa Mata Branca, uma referência à paisagem que se forma nas épocas de estiagem, quando as árvores perdem as folhas, como forma de resistir ao período de pouca água. Essa característica de resistência é encontrada não apenas na flora, mas na fauna e também no povo da região onde esse bioma está presente. “Nós somos um povo muito resiliente. A gente se adequa muito facilmente as adversidades. Além da não acomodação, da proatividade, isso é muito característico nosso. De inventar, de adequar, experimentar”, diz Alessandro Nunes, assessor técnico da Cáritas Regional Ceará.
No entanto, apesar de sua riqueza, a Caatinga nem sempre foi enxergada como importante para o país. O olhar sobre ela como bioma passa a ser diferente a partir dos estudos do professor e pesquisador pernambucano João Vasconcelos Sobrinho, falecido em 1989. A Caatinga era considerada sinônimo de miséria e escassez de recursos ambientais, mas em seus estudos, ele abordou a riqueza e diversidade, destacando as espécies exclusivas encontradas unicamente no bioma.  “A Caatinga tem a referência ligada à imagem negativa da seca, mas isso na verdade foi construído com um propósito pela classe dominante, que sempre se beneficiou das condições adversas do bioma e reforçou a imagem negativa. Mas o povo catingueiro, desde que tenha seus direitos respeitados e que possam exercer sua cidadania, não troca esse lugar aqui por lugar nenhum”, afirma o bolsista do Núcleo de Desenvolvimento de Tecnologias do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), João Macêdo.
Além dos estudos de Vasconcelos Sobrinho, uma série de iniciativas que se deram ao longo dos últimos anos, realizadas por diversas organizações da sociedade civil, está dando visibilidade à Caatinga e suas potencialidades e características específicas, levando em conta a resistência do povo e articulando políticas e estratégias de  convivência com o bioma. E , se tratando de diversidade e resistência, a fauna da Caatinga tem um grande potencial. Conclusão tirada pelos estudos do pesquisador colombiano Carlos Arturo Navas. Ele está no Brasil há 20 anos estudando a Caatinga e se diz fascinado com a diversidade do bioma e das estratégias que os animais se utilizam para conviver com os períodos de estiagem, que são uma forte característica da região semiárida.
“Uma parte significativa da fauna da Caatinga passa o período mais seco em uma situação de 
Fauna e flora da Caatinga tem estratégias para conviver com os períodos mais secos. | Foto: Ivan Melo
inatividade. Durante essa época de seca, quando se anda pela Caatinga, se encontram menos animais por aí. Na verdade, tem uma quantidade muito grande de animais que se encontra debaixo da terra, com metabolismo reduzido. São milhares de indivíduos de diversas espécies que estão aguardando as chuvas. Acho isso fascinante! É ciência pura entender como é possível animais passarem nove meses inativos e como é possível, no caso de anfíbios como sapos e pererecas, passar esse tempo embaixo da terra e ter a capacidade da musculatura bastante preservada”, explica.
O pesquisador, que também é professor titular do departamento de fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, coloca também a importância de que observar os movimentos da natureza é importante para a preservação das vidas na região. “Na fauna, existem ainda espécies que são especialistas em buscar água, pequenos resquícios de umidade. Já outras buscam microclimas específicos, procurando condições mais amenas. Vale a pena olhar esse conhecimento natural para aprender com ele também”, pontua o pesquisador.
Observar esse movimento é o que faz o agricultor Antônio Braga Mota, 42, da comunidade de Bueno, em Irauçuba, no Ceará. O município está em uma das áreas mais emblemáticas com relação ao processo de desertificação no país. E é nesse contexto que seu Antônio, mais conhecido como Toinho, há sete anos tem conseguido, a partir de práticas agroecológicas, recuperar o solo e reverter o processo de desertificação. “Eu deixo a matéria orgânica no solo, que fica coberta, faço a diversificação de culturas e não queimo mais. Isso faz com que a terra não fique descoberta e traz mais proteção para ela”, afirma o agricultor.
Ele também tem uma área que preserva diversas plantas nativas da Caatinga, também como estratégia de combater o avanço do processo de desertificação e reconhece que a produção agroecológica também contribui para uma alimentação saudável. “Hoje eu tenho além do milho e feijão, que são comuns na região, várias fruteiras, outros tipos de feijão, palma e meu quintal produtivo. Mas aqui na região não é todo mundo que cuida da terra não”, conta, lembrando que nos tempos em que a Caatinga era preservada havia uma quantidade maior de animais como onças e veados, além de mais pontos de água, como riachos.
Caatinga tem grande diversidade de cores em sua flora. | Foto: Janaina Santos
Para Alessandro, a experiência agroecológica de seu Toinho e diversos outros agricultores e agricultoras do Semiárido contribuem para a preservação e resistência da Caatinga. “A agroecologia e a convivência com o Semiárido trabalham na perspectiva de ter uma região com condições ambientais, sociais e políticas muito mais estruturadas. E a agroecologia é um modelo de desenvolvimento que de fato tem como enfrentar todas essas questões do processo de desertificação e das mudanças climáticas. Pois ela trabalha com o uso adequado do solo, o manejo adequado da água e a produção de alimentos saudáveis, sem utilização de agroquímicos”.
“Os sistemas agroflorestais têm uma resiliência fantástica para essa crise colocada pelas secas prolongadas. A gente sabe que o impacto da seca foi menor para os agricultores que tem práticas agroecológicas do que os de sistema convencional”, afirma Rivaneide Lígia, coordenadora local do Centro Sabiá no Sertão de Pernambuco.
Mesmo com toda essa diversidade biológica e com diversas experiências que se utilizam do potencial da Caatinga e ao mesmo tempo preservam sua fauna e flora, o bioma não é reconhecido como Patrimônio Nacional, a mesma coisa acontece com o Cerrado, outro bioma presente na região semiárida. Para rever essa questão, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Emenda Constitucional 504/10, que elevam a Caatinga e o Cerrado a Patrimônios Nacionais presentes na Constituição Federal. “Quando conseguirmos esse reconhecimento para a Caatinga teremos políticas mais amarradas e mais definidas para preservação do bioma e para as populações que a ocupam”, explica João Macedo.
Olhares da Caatinga – No Dia Nacional da Caatinga, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) lançou exposição fotográfica virtual Olhares da Caatinga, de autoria coletiva da rede, que apresenta diversos olhares da fauna e da flora da Caatinga. A proposta revela as belezas e singularidades deste bioma que ensina muito sobre a convivência com as características do Semiárido. As imagens são de autoria de comunicadores e comunicadoras, técnicos e técnicas e jovens que convivem com o bioma e fazem parte da ASA. Para acessar a exposição é só entrar na página da ASA no Facebook:
https://www.facebook.com/media/set/?set=a.571104869654161.1073741839.124613907636595&type=1

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