sábado, 28 de junho de 2014

Povo do semiárido brasileiro mantém tradição da festa junina

Graças às comunidades rurais e pequenas cidades do interior a tradição da fogueira sobrevive e em algumas localidades de forma mais curiosa
Maria José - Comunicadora popular da ASA
Feira de Santana - BA

“A fogueira tá queimando em homenagem a São João, o forró já começou, vamos, gente, arrasta pé nesse salão”. 
 

Fogueira de Cair: uma pequena árvore é toda decorada com doces, milhos, bebidas, e até dinheiro. Foto: Valdir Carneiro
Quem não cantou ou se deixou contagiar por essa música de Luiz Gonzaga em parceria com Zé Dantas? Quem nunca sentou diante de uma fogueira (hoje bem mais limitadas), em frente à casa? Quem nunca soltou fogos, nunca tomou licor, comeu milho assado, amendoim, ou nunca dançou um forró? Uma das mais ricas manifestações culturais brasileiras, principalmente no nordeste do país, as festas juninas continuam sendo tradição com uma pluralidade de crenças e elementos da cultura popular.

Dentre os costumes mais antigos relacionados às festividades de São João, a fogueira se destaca. De origem europeia foram introduzidas no Brasil pelos colonos portugueses desde o século do descobrimento. Segundo a tradição católica, ela lembra um acordo feito entre Isabel, mãe de João Batista, e sua prima Maria, que morava distante, para se comunicar após o nascimento do menino. E esse costume é conservado até hoje. Todos os anos, na véspera ou na noite do dia 24 de junho, as fogueiras são acesas, relembrando esse momento através de danças e festejos.

Com o passar do tempo, a fogueira foi adotada não somente em homenagem a São João, mas também para representar o culto a outros santos lembrados no mês de junho. São eles, Santo Antônio (dia 13), que se atribui a fama de santo casamenteiro, e São Pedro (dia 29), o protetor das viúvas. Esse ciclo permitiu que as festividades se estendessem durante todo o mês de junho, e pela força das tradições aos santos, recebesse o nome de festa junina.

A fogueira de cair - Graças às comunidades rurais e pequenas cidades do interior, a tradição da fogueira sobrevive e em algumas localidades de forma mais curiosa. No povoado de Laginha, por exemplo, município de Retirolândia, no semiárido baiano, ainda hoje é feita a “fogueira de cair”. Uma pequena árvore é toda decorada com doces, milhos, bebidas e até dinheiro. Coloca-se essa árvore no centro da fogueira, acesa enquanto são oferecidas comidas e bebidas típicas da época aos visitantes que ficam esperando a fogueira queimar e derrubar a árvore.

Sempre no dia 23 de junho, o jovem Alberto Naidson Tito da Silva faz a fogueira de cair com os amigos e vizinhos da rua. “Peguei a tradição com meu avô e tios e, há quatro anos, é aquela festa quando a árvore cai, porque todos correm para pegar os prêmios. É uma alegria aqui em Laginha”, enfatiza Alberto.

Ritual dos batizados - Antigamente existiam duas formas principais de tornar-se padrinho ou madrinha, compadre ou comadre. Uma era, e ainda é, pelo batismo e a outra é o batizado na fogueira. Costume muito antigo adotado entre famílias que queriam estreitar seus laços com vizinhos ou amigos, o laço do compadrio, onde passaria aos padrinhos a responsabilidade de substituir os pais em caso de morte destes. No ritual, que acontece mais na zona rural, realizado na noite de São João, formam-se duplas, ficando uma pessoa de cada lado da fogueira - já em brasa rente ao chão - e em seguida pulam as brasas de mãos dadas em sentido cruzado. “Tenho dois cumpadre de fogueira” conta Valdete Bastos, produtora rural do distrito feirense de Bomfim de Feira. Valdete conta que é comum nesse momento recitar verso como: “São João dormiu, São Pedro acordô, vamo sê cumpadre, que São João mandô”.
Comidas típicas - Produtos agrícolas genuinamente americanos como o milho, a mandioca e o amendoim, cultivados pela população indígena, tornaram-se a base da alimentação dos brasileiros. Com a tecnologia trazida pelos portugueses, como o forno de fazer farinha e costumes de como preparar os pratos, provocaram mudanças no processamento desses produtos.

Com muita criatividade, boa parte das comidas típicas do período junino é produzida através da agricultura familiar: mingaus, sequilhos, bolos, canjicas, cocadas, doces e licores são alguns exemplos das delícias servidas nessa época. Segundo dados do IBGE (2010), no estado da Bahia, existem 762 mil estabelecimentos da agricultura familiar e aproximadamente 3,8 milhões de pessoas neste segmento social. Além de ter um modo de produção próprio, uma rica cultura e relação próxima com a paisagem rural, a agricultura familiar contribui com a preservação da tradição junina.


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