Gente, eu vou pedir um pouquinho de silêncio, porque a minha voz (se) foi. Eu estou aqui com um restinho de voz”. Logo aos 3 minutos de um discurso que duraria 25, a presidente Dilma Rousseff tentava controlar a plateia petista que enaltecia sua apertada vitória sobre o tucano Aécio Neves, domingo (26) à noite, em um teatro de um hotel cinco estrelas perto de sua casa, o Palácio da Alvorada, em Brasília. Com recorrentes infecções de garganta, rouca há dias pelo uso constante da voz na campanha eleitoral, Dilma enfrentava seu último desafio eleitoral, de agradecer à militância (tanto a gratuita quanto a paga) do PT e fazer um discurso de conciliação ao país com um microfone com o som baixo e abafado. Dilma tentava falar a uma plateia incontrolavelmente empolgada. Impedida de dar qualquer ordem em uma festa, Dilma sorria feliz, mas exibia aquele rosto de quem queria que tudo acabasse logo para deixar o púlpito de acrílico coberto com a bandeira do Brasil e descansar. Mas ser presidente, às vezes, é padecer no paraíso da ovação da militância.
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Os petistas esperavam pelo resultado e pela chegada de Dilma. A maioria usava suas camisetas vermelhas, muitas com um desenho estilizado do rosto de Dilma jovem, nos tempos da luta armada, com a inscrição “coração valente”. Todos chegavam ensopados pela chuva que caía sobre Brasília – não muito forte, mas capaz de fazer inveja a um sistema Cantareira (O destino por vezes é inclemente: além da vitória, a chuva tão desejada por tucanos foi comemorar a vitória petista). Às 20h01, pouco mais de 100 pessoas no ambiente gritaram, pularam e agitaram bandeiras como se ainda estivessem na Copa do Mundo, assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou a primeira parcial da apuração. Com mais de 90% dos votos apurados, Dilma vencia por 50,99% contra 49,01% do tucano Aécio Neves. “1% não é pouco, não!”, gritava um petista com voz pastosa, segurando sua bandeira, na tentativa de empolgar os colegas inseguros com a pequena vantagem – que se alargaria nos minutos seguintes.
À espera de Dilma e sua comitiva, os petistas extravasaram. Trataram de ocupar seu tempo relaxando a tensão dos quatro meses da mais difícil vitória do partido, a primeira na qual perceberam que seus cargos, projetos e confortos foram realmente ameaçados. Em sua metade do salão acarpetado, dividido ao meio por cavaletes de grades forrados com tecido branco, os torcedores de vermelho se empolgaram com gritos de “Chupa!”, “Chupa, bando de playboy!”, etc. Um grupo recorreu à antiga tradição de puxar aquelas rimas típicas de greves e estádios de futebol para manter a plateia empolgada. “Quem não pula é tucano! Quem não pula é tucano! Quem não pula é tucano!” e todos pulavam ininterruptamente por uns dois minutos, até cansar. As luzes do palco, voltadas para a plateia, piscavam como se o local fosse uma boate. Os responsáveis pelas rimas esperavam a turma se recuperar por um minuto e emendavam outra. “Tucano, aceita, Dilma reeleita! Tucano, aceita, Dilma reeleita”. “Partido, partido, é dos trabalhadores!”, repetiam todos, esticando os braços acima da cabeça com os punhos fechados. Sucesso total.
Mas a criatividade da equipe de criação se esgotou rápido. Por sorte, nessas ocasiões sempre há um sistema de som playback para socorrer quem não aguenta cantar à capela. Então, um locutor comemorou rapidamente a vitória de Dilma e... som na caixa, mané! O sistema de som do teatro começou a tocar “Diiilmaaa... coração valente...”, o jingle da campanha em ritmo de um forró lento, pé de serra. Com a voz poupada, os militantes começaram a gastar sua energia dançando, alguns casais juntinhos, outros com os filhos. Por quase uma hora, quem esteve no teatro ouviu o jingle – só ele - repetido à exaustão.
Às 21h33, o anúncio da chegada de Dilma pelo locutor veio salvar a noite. O salão lotou rapidamente de mais gente molhada. No canto do palco, de blazer, o marqueteiro João Santana ordenava a entrada daqueles cujos nomes eram anunciados pelo locutor. Santana dava um empurrãozinho no cidadão, ministro ou presidente de partido, que estivesse meio devagar, para manter o ritmo do espetáculo. Às 21h35, Dilma começou a falar. Apresentou todos no palco, com menção até para Marcela Temer, a bela esposa do vice-presidente Michel – muito aplaudida com carinho. Até os líderes de partidos aliados como Ciro Nogueira, do PP (aquele que patrocinou o “Paulinho” Roberto Costa na diretoria da Petrobras) e Gilberto Kassab, do PSD, identificados com a direita, foram aplaudidos pela turma da esquerda.
Mas a plateia estava inquieta. Após o pedido de silêncio de Dilma, a galera ouviu um pouco e começou a gritar porque não conseguia enxergar. Em vez de jogar garrafas nos outros, cantou. “Quem não senta é tucano! Quem não senta é tucano!”. Todos da frente sentaram para ouvir Dilma. “Minhas primeiras palavras são de chamamento da base e da união. Nas democracias maduras, união não significa ação monolítica. Pressupõe abertura e disposição para o diálogo”, disse Dilma. “Essa presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo”. Aplausos. A torcida petista aplaudia qualquer coisa dita por Dilma. Após o mais renhido clássico da política nacional, com carrinhos por trás em debates, cotoveladas e mordidas nas redes sociais e impedimentos marcados pela Justiça eleitoral, a galera petista aplaudia as promessas de glórias futuras. Sua plateia aplaudia qualquer coisa.
Dilma: “Algumas vezes na história, os resultados apertados produziram mudanças mais fortes e rápidas do que as vitórias amplas”, disse.
Plateia: “Uhu!!!!”
Dilma: “Meus amigos e minhas amigas, entre as reformas, a primeira e mais importante deve ser a reforma política.”
Plateia: “Eeeeeiiii!”
Dilma: “Meu compromisso, como ficou claro durante toda a campanha, é deflagrar essa reforma. Que deve ser realizada por meio de uma consulta popular”.
Plateia: “Eeeeeiii!”
Dilma não podia desistir. “Voto de esperança é o que é uma reeleição. Muito especialmente na melhoria dos atos do que até então vinham governando. Sei que é isso o que o povo diz quando reelege um governante. Quero ser uma presidenta muito melhor do que fui até agora”. Mas teve de parar de novo e ouvir “coração valente!”, “coração valente!”, “coração valente!” e logo depois, para um “Olê, olê, olá, Dilma, Dilma!”, que emendou com um “Quem não pula é tucano!, Quem não pula é tucano!”. Quando voltou, Dilma pediu de novo encarecidamente. “Por favor, eu não posso gritar mais, eu não consigo”, disse. Logo depois, os problemas de Dilma acabaram quando o microfone foi trocado. “ô, gente, esse microfone tá uma beleza, né? Pois é, agora eu seguro falar”, disse. Na parte vip da plateia, um cercadinho à frente do palco, ministros e assessores próximos da presidente riram a valer do momento de descontração. Quatro minutos depois, Dilma terminou com um quase choro. Cantou um trechinho do hino nacional com a plateia. Foi-se para sua festa no Alvorada, cercada de ministros, assessores e aqueles seguranças com um fiozinho nos ouvidos . Os militantes foram comemorar na chuva.
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