FOTO: Luiz Fernandes
Já imaginou um Brasil em que todas as famílias agricultoras tivessem direito à terra e à água, com liberdade e autonomia para plantar como quisessem? Agora imagina se essas mesmas famílias pudessem alimentar todo o país com comida de verdade, sem veneno, respeitando a vida e o meio ambiente. As mulheres do campo, da floresta e das águas acreditam que essa pode ser sim uma realidade e defendem que a agroecologia e a agricultura familiar são bases concretas de transformação para a nossa sociedade. É o que também acredita Irene Maria Cardoso, professora da Universidade Federal de Viçosa e grande referência da agroecologia no Brasil.
Nas últimas décadas tem sido difundida na sociedade a ideia de que não é possível produzir sem agrotóxicos. Nesse mesmo sentido, existe também um discurso de que a agroecologia não é capaz de produzir alimentos suficientes para alimentar o mundo. A professora Irene Cardoso argumenta que se existir uma pessoa no mundo capaz de produzir sem agrotóxicos, todas podem produzir. “É uma questão de aprender a fazer. Eu costumo dizer que quem não tem competência para fazer, tem que ter a humildade de aprender com quem sabe. Hoje existem inúmeros agricultores(as) no mundo que produzem sem veneno. É com eles que nós temos que aprender. Quem fala que não é possível produzir sem agrotóxico tem que falar assim: eu não tenho competência para produzir sem agrotóxico. Vários estudos mostram que a agroecologia tem potencial para alimentar o mundo, mas é preciso de apoio da sociedade”, afirma.
A agroecologia é um modo de vida e de produção que garantem a soberania e a segurança alimentar, que pressupõem o cuidado com os bens comuns, além de relações sociais, econômicas e políticas justas entre as pessoas e o respeito a todos os seres do planeta. Entretanto, além do apoio da sociedade, o acesso à terra e à água são imprescindíveis para que as famílias pratiquem a agroecologia. Num país de proporções continentais como o Brasil, as estatísticas demonstram que a concentração de terra ainda é altíssima. Para as mulheres do campo, da floresta e das águas a garantia do direito à terra é bandeira de luta central.
Se existem grandes latifúndios que não cumprem sua função social, enquanto inúmeras trabalhadoras e trabalhadores rurais não tem terra para morar e/ou trabalhar, a constituição prevê que é dever do Estado desapropriar essa terra e distribuí-la entre as famílias que precisam. Assim como a reforma agrária, a demarcação dos territórios tradicionais é também um direito constitucional que cumpre o importante papel de reparar a violência e injustiças vividas pelos povos indígenas e populações quilombolas ao longo da história. Ao lutar pela demarcação de suas terras, eles estão reafirmando o direito ao seu território ancestral, à preservação de suas culturas, modos de vida, rituais e tudo que os formam como povos.
Mas se o acesso à terra é um sonho inalcançado para muitos, para as mulheres é ainda mais inacessível. Considerando todas as propriedades de terra no Brasil, apenas 18,6% têm mulheres como titulares (Censo Agropecuário, IBGE, 2017) – o que reflete, além das desigualdades econômicas, uma sociedade que ainda acredita que terra e espaço de produção são direitos só dos homens. Ao longo da história, a divisão sexual do trabalho vem separando e hierarquizando trabalho de mulheres e homens. Nesse sentido, se na luta pela terra as mulheres são as mais prejudicadas, a dificuldade de acesso à água de qualidade amplia a sobrecarga de trabalho e as desigualdades que vivenciam. Em momentos de escassez, são elas que sofrem para buscar água para toda a família, mesmo que para isso seja necessário caminhar quilômetros, esperar em filas ou carregar litros de água na cabeça, enfrentando sol, chuva e até mesmo o medo da violência sexual. E mais uma vez, todo seu trabalho não é reconhecido.
O acesso à água potável é um dos graves problemas da atualidade. Estudos demonstram que as indústrias e o agronegócio são responsáveis pela maior quantidade de consumo e desperdício, sem contar a contaminação das águas por agrotóxicos e o plantio de monoculturas, como o eucalipto, que contribuem para o esgotamento dos lençóis freáticos. Outra questão fundamental é o impacto da mineração que, além de grandes consumidoras de água, com seu sistema de barragens produzem rejeitos que contaminam as águas utilizadas pelas comunidades. É diante deste cenário (e por entenderem que a água é um bem comum, e não uma mercadoria) que as mulheres do campo, da floresta e das águas denunciam esta apropriação privada e predadora dos bens comuns, reafirmando que é importante repensar a mineração, de forma soberana e popular, reconhecendo que o solo e a água do nosso país devem estar a serviço do povo.
As Margaridas seguem em marcha construindo alternativas para produção de alimentos saudáveis, pautando o respeite ao meio ambiente, as relações justas entre as pessoas, e um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil a partir da agroecologia. Elas ainda defendem que a agroecologia só é possível com democracia, pois para que germine é necessário ter políticas públicas inclusivas, espaços de participação social e fortalecimento das redes, de forma a potencializar a ação dos sujeitos que produzem alimentos, como agricultoras (es) familiares, camponesas (es), mulheres, jovens, indígenas e quilombolas.
Quer saber mais sobre o tema, clica no caderno de debates da Marcha das Margaridas 2019 (POR TERRA, ÁGUA E AGROECOLOGIA AQUI
A Marcha das Margaridas 2019 é uma ação protagonizada por mulheres do campo, da floresta e das águas, realizada pela CONTAG, Federações e Sindicatos filiados à Confederação, e apoiada por 16 organizações parceiras.
FONTE: Comunicação Marcha das Margaridas 2019 - Vanessa Marinho
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