quarta-feira, 24 de julho de 2013

Renda, produção e ensinamentos ao redor de cisterna-calçadão

Eudes Costa - Comunicador popular da ASA

Seu Ediva apresenta o plantio em fase inicial | Foto: Eudes Costa
Muitas famílias do semiárido brasileiro têm conseguido transformar a sua realidade local com a utilização de tecnologias sociais de captação e armazenamento de água das chuvas. Uma das tecnologias implementadas pela Articulação Semiárido (ASA) é a cisterna-calçadão, que tem contribuído diretamente para o fortalecimento da agricultura familiar, a partir da produção de alimentos. A ação da ASA também tem identificado agricultores e agricultoras que se destacam com sua história e experiência de vida, mostrando com humildade e sabedoria a sua forma de trabalhar ao redor de casa com os quintais produtivos e manter uma relação diferenciada com a natureza.

O senhor Edival Ferreira de Lima, de 66 anos, mais conhecido como seu Ediva, reside na comunidade Cascão, há 12 quilômetros do município de Cajazeirinha, na região do alto sertão paraibano, com sua esposa, dona Maria Mendes de Lima, de 63. Essa é uma das famílias que constrói o cenário da mudança na região. Casados há 43 anos, seu Ediva e dona Maria tiveram nove filhos, destes somente cinco moram próximo.

O agricultor conta que já passou situações difíceis na criação dos filhos, quando tinha que trabalhar em época de seca nas frentes de emergência e construir açudes nas terras de grandes proprietários, sem ter direito sequer de pegar água. O que ainda tinha como lucro em período de boas chuvas era fruto da agricultura, com o roçado de milho, arroz, batata e feijão. Como morador do local, tinha que dividir a produção, até certo dia, quando começou a questionar sobre a importância do trabalho próprio e independente. Ele abandonou a terra do patrão depois de vinte anos de mão de obra escrava.
Atualmente, numa nova fase, as coisas estão começando a melhorar. A primeira cisterna conquistada (de 16 mil litros) trouxe acesso à água de beber; a segunda cisterna, de produção, trouxe oportunidade de sair do roçado convencional e plantar no arredor de casa.
Seu Ediva sempre desejou ter o próprio plantio de verdura e legumes. “Eu já tinha muita vontade de fazer o plantio de hortaliças, mas não tinha água e não tinha como conseguir” relata o agricultor.
Toda estrutura da produção já está pronta e bem cercada para evitar a aproximação de bichos. A família cultiva coentro, melancia, alface, tomate, pimentão, e algumas frutíferas, como laranjas, acerola e limão. Seu Ediva e dona Maria trabalham com dois tipos de canteiros, o econômico e o suspenso, e cada um cumpre uma função usando o manejo adequado.

Seu Ediva dá a dica de como fazer o canteiro suspenso para economizar água. Ele mistura o esterco de gado e de ovelha com o barro vermelho, traça tudo com areia, deixa durante 30 dias fermentarem bem, para sair toda a urina, depois reveste o canteiro com lona e coloca o material orgânico. A experiência já aponta resultados positivos.

Fermentação de composto orgânico | Foto: Eudes Costa
Os filhos estão encorajados vendo a experiência dando certo. Num total de quarenta dias, tirou a produção de alguns canteiros e logo conseguiu vender na vizinhança. A procura é imediata, os consumidores gostam da forma da produção de verduras sem veneno, o que garante saúde na mesa. A comercialização já lhe rendeu 900 reais, a contar do início da atividade, somando com a venda de batata, cenoura e beterraba e sem contabilizar com o autoconsumo da família. Logo no início da atividade, chegou a vender, por dia, cerca de 30 molhos de coentro. Todo o material vai dentro de uma caixa de isopor para manter em conservação o verdor e a durabilidade do vegetal. As mudas das hortaliças são desenvolvidas pelo próprio agricultor, que aproveita todos os insumos existentes na propriedade e economiza, por ano, 1.100 reais.

Enxergando o futuro e a sustentabilidade da produção agroecológica, seu Ediva faz planos de levar a sua produção até as feiras das cidades circunvizinhas e participar do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O agricultor revela que nunca desmatou, nunca queimou a roça e sempre deixou o resto de mato se decompor no solo. Para recuperar a terra degradada, ele espalha o estrume por toda área do quintal, junto com folhas secas. De acordo com seu Ediva, a alfazema braba é um excelente composto, por isso ele tem utilizado a planta há anos nas lavouras e a terra sempre se mostrou produtiva: “Ela seca, pode cortar e deixar agir, fertilizando o solo, quando a chuva bater em cima fica forte e a lavoura em quinze dias brota”, assegura o agricultor.

Seu Ediva nunca precisou pulverizar suas plantas, mas, por segurança, sempre tem um defensivo natural guardado. A única aplicação que fez foi no feijão, quando começou a aparecer uma ameaça de lagarta. O agricultor está constantemente experimentando e já preparou outros canteiros com o plantio do que ainda não conseguiu produzir, como a berinjela e couve. “Vou testar de tudo um pouco, o que der eu vou continuar plantando.”, afirma seu Ediva.

O agricultor reserva alguns momentos de seu tempo para refletir e interpretar os acontecimento que estão ao seu redor. Ele decifra fenômenos que ocorrem através do vento, das matas, dos animais e até num simples voo dos pássaros. Seu Ediva faz uma leitura daquilo que, às vezes, passa despercebido para muitos, mas que têm um significado importante, servindo como sinal de respeito e de valor à vida e ao ambiente em que vive e produz.
Discordando do conceito de que o idoso não tem chance de aprende mais nada, seu Ediva considera que tudo tem um momento certo de se aprender, basta procurar e insistir:“Acredito que as coisas só mudam nas nossas vidas, se a gente tiver força de vontade. Querer mesmo. E seguir em frente sem pensar em errar, que consegue".

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